ARTIGOS

12/01/2016
Holocausto

Paulo César Bornelli

 TUDO PARA ELE

A Palavra de Deus nos autoriza a olharmos para o ritualismo judaico como uma sombra (Heb. 8:5), uma parábola (Heb. 9:9) ou como um exemplo (I Cor. 10:11) para nós como Igreja. Principalmente quando olhamos para as cinco ofertas que eram oferecidas no altar de bronze, podemos compreender de uma maneira mais completa, a vida e o sacrifício vicário de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Das cinco ofertas, quatro eram com derramamento de sangue, isto é, havia o sacrifício de um animal, pois falavam da cruz. Apenas em uma, a oferta  de manjares, não havia morte do animal, pois falava da vida de obediência de Jesus. Das cinco ofertas, três eram “de cheiro suave ao Senhor”, holocausto, manjares e pacífica. De todas elas, holocausto era uma oferta singular,  pois  tinha que ser espontânea, e era a única totalmente consumida no altar de bronze, pois nem o ofertante, nem o sacerdote podiam participar dela.

A palavra hebraica comumente empregada para holocausto, ou oferta queimada é “olah” que significa “aquilo que sobe, ou ascende”. Outras vezes, é empregada a palavra “kallil” que significa “por  inteiro”.  Portanto,  podemos dizer que a melhor definição de holocausto seria: “aquilo que é totalmente queimado para  Deus”.

A NECESSIDADE DE UMA VISÃO COMPLETA DO MINISTÉRIO DE CRISTO

No holocausto a primeira condição era a voluntariedade do ato, pois tudo isso falava de Jesus e da Sua entrega voluntária à vontade do Pai. Tal compreensão é de suma importância para termos uma visão completa do ministério de Cristo, visto que cada oferta representa ou fala de um ângulo da Sua vida e de Seu ministério. A falta de conhecimento e de revelação dessas verdades da palavra de Deus, tem sido a razão de muitos erros com tristes conseqüências para a Igreja.

Das cinco ofertas temos enfatizado apenas duas, a oferta pelas transgressões e a oferta pelo pecado. E toda nossa teologia tem girado em torno delas. Temos colocado como única e total verdade, o fato de que “CRISTO MORREU    PARA    NOS  SALVAR”.

Nosso hinos, nossas orações e pregações centralizam-se nesse ponto. Esta ênfase teológica acaba por colocar o homem como o centro de tudo, não deveria, portanto, ser chamada de CRISTIANISMO, mas sim de ANTROPOCENTRISMO. Tendo o homem como o centro,  isto  é,  tendo  o princípio errado, chegaremos a conclusões erradas.

Chegamos a uma verdadeira inversão de valores e posições. Deus já não é mais princípio e o fim de tudo, não é mais o alfa e o ômega. O culto já não é uma reação humana pela grande misericórdia de Deus em Cristo, mas sim uma ação humana para provocar uma reação de Deus.

Vamos ao culto para buscar bênção, vamos ao culto para receber, e não para dar o louvor e a honra que Deus merece. Os nossos cânticos não são adoração a Deus, mas pedidos e súplicas para que os céus se movam sobre nós. As nossas orações são egoístas pois estão centralizadas em nós mesmos. Nossas pregações são um apelo para que os homens façam o favor de aceitar a Jesus. Mesmo o nosso culto necessita de uma reforma urgente pois temos lhe dado um conceito totalmente antropocêntrico. O pastor R. Kent Hughes afirma: “No cristianismo de hoje, não se fala, mas cada vez mais se crê comumente que o culto é primeiramente para nós, para satisfazer as nossas necessidades. Nesse culto o enfoque é o entretenimento...” 1.

Na maioria das vezes, podemos mesmo afirmar que estamos  fazendo culto ao culto.

Portanto, se o ministério de Cristo está simbolizado nessas cinco ofertas, podemos dizer que nós temos enfatizado apenas uma oferta, a oferta pelo pecado, o que na realidade  corresponde a 20% da verdade total.

Mas como é diferente quando o Espírito de revelação e sabedoria (Efésios 1:22) vem sobre nós e temos a visão do todo! Como é maravilhoso quando podemos ver Deus como o princípio e o fim, e Jesus, como o centro de todo o propósito de Deus! Como é maravilhoso quando vemos através de toda a Bíblia  a grande verdade, o grande princípio: Tudo que se faz em primeiro lugar é para Deus.

A BASE BÍBLICA DA PRIMAZIA DE DEUS

A Páscoa dos Judeus descrita em Êxodo capítulo 12, nos mostra que após ser morto o cordeiro, o sangue tinha que ser colocado nos umbrais  da porta  para que Deus o visse. “O sangue, em primeiro lugar, era para Deus”.

Em todo o ritualismo judaico no deserto, no tabernáculo e  posteriormente em Canaã, no templo, tudo o que se fazia, primeiro era para Deus. Por isso, o sangue  dos  animais era primeiro colocado nos quatro chifres do altar de bronze, simbolizando que primeiro era para Deus, e depois era derramado ao redor do altar, simbolizando a paz de consciência do   pecador.

No dia da expiação, dia em que todo o Israel era santo aos olhos de Deus, o Sumo Sacerdote tinha que pegar o sangue em uma bandeja e levá-lo até o Santo dos Santos e lá, colocá-lo diante do Senhor, no propiciatório.

No próprio ofício sacerdotal vemos o princípio de que tudo o que se faz, primeiro é para Deus. O sacerdote entrava duas vezes por dia no lugar santo para queimar incenso diante do Senhor, no altar de incenso, que ficava diante  do segundo véu que separava o Santo dos Santos. Ele entrava de manhã e à tarde, provavelmente às nove das manhã e às três da tarde. Era o sacrifício da manhã e o sacrifício da tarde. Primeiro era para Deus, pois ele representava o povo diante de Deus em adoração, e, à tarde, intercedia pelo povo.

Na própria vida de Jesus  vemos  esse princípio,  pois tudo o que Ele fez  em primeiro lugar foi para Deus. Jesus veio ao mundo, viveu e morreu com um supremo propósito: agradar ao Pai. Confira os seguintes textos: Hebreus 10:9; Filipenses 2: 8; João 18:11; Salmos 40:8 e João 4:32-34, 5:30 e 6:38.

É maravilhoso descobrir que essa  entrega foi por amor e não por medo ou coação. Ele conhecia plenamente o coração do Pai, sabia que o Pai O amava e essa convicção do amor O levou a entregar-Se voluntariamente, sem medo. O próprio Deus deu testemunho desse amor quando do Seu batismo no  rio  Jordão, dizendo: “Este é o meu Filho amado”. Depois, novamente, no monte da transfiguração, quando aparecera com Ele Moisés (simbolizando a Lei) e Elias(simbolizando os Profetas), Deus disse: “Este é meu Filho amado, a  Ele ouvi”.

Isto é, a Lei já teve seu ministério, os Profetas também, pois ambos duraram até João, sendo que agora é hora do ministério de Jesus. Hebreus 1:1 afirma que Deus outrora falou de muitas maneiras, mas que agora fala-nos através de Seu Filho Jesus. Em João 3:35 Jesus testemunhou que o Pai o amava. Ele reafirma esse amor em João 17:26, desejando que o amor com que o Pai o amou estivesse agora em nós.

Esse foi o grande segredo da entrega total de Jesus a Deus. Ele sabia que   o Pai o amava e por isso não teve medo de render-se totalmente a Ele. Como precisamos ter revelação do amor do Pai por nós! Somente assim poderá haver uma entrega voluntária e total.

Como Jesus durante todo o Seu ministério procurou falar e mostrar o amor de Deus por nós! Ele mesmo é a prova máxima desse amor. João 3:16 diz que Deus amou o mundo de tal maneira, com tamanha intensidade, que deu o que de mais precioso tinha. Seu filho JESUS CRISTO  é  a  prova  máxima  do  amor, modelo inigualável de doação total.

Deus se doou totalmente a nós na Pessoa de CRISTO. Romanos 5:8 fala que “Deus provou o Seu amor por nós”.  O importante é notar que Deus nos  ama quando ainda pecadores, a ponto de nos dar Cristo. Na mesma proporção que descobrimos o grande amor de Deus, é que nós nos rendemos a Ele. Muitas vezes, o nosso relacionamento com Deus é baseado no medo do inferno, no medo da ira de Deus, e isto tem impedido que tenhamos um relacionamento de Pai para filho e filho para Pai. Em todas as épocas houve homens que tiveram revelações deste grande amor de Deus e isso os levou a renderem-se, a serem escravos desse amor.

Êxodo 21 diz que, quando um judeu se atrapalhava financeiramente e perdia tudo, tornava-se escravo do outro, bem como toda a sua família e a sua propriedade. No ano santo, entretanto, ele tinha que ser perdoado e deveria ser restituído a ele todos os seus direitos, propriedades e familiares.

Mas, se durante o período de escravidão ele encontrasse tanto amor no seu amo, tanta paz e segurança, poderia então fazer uma opção voluntária, isto é, doar-se com tudo o que tinha, para sempre ao seu amo. Essa cerimônia era feita através do ato de deixar que o amo lhe furasse as orelhas. Esse era o sinal de rendição total. Davi no Salmo 40, após falar do amor de Deus, diz  no  versículo 6 que Deus havia lhe furado as  orelhas.

Paulo em todas as suas cartas diz ser escravo do Senhor Jesus, escravo do amor, Paulo tinha as “orelhas furadas”. Em II Corintios 5:14, ele diz que o amor de Cristo nos constrange. Sem a revelação do grande amor de Deus é impossível total rendição.

Como temos perdido essa verdade! Como tem nos faltado essa dimensão vertical, VIVER PARA DEUS! Como temos invertido os  valores  e as  prioridades de Deus, e como isso nos tem custado caro, tanto para nós como indivíduos, como para nós, igreja. Quando estudamos o livro  de  primeiro Samuel,  temos um triste exemplo de inversão de valores, pois o povo não quis mais ter Deus como centro. Trocaram o princípio teocrático pelo democrático.

Trocaram Deus por um rei, como fizera outros povos. Depois, vemos na vida de Saul, um símbolo da natureza caída, a quebra desse princípio. Saul preocupava-se mais com o povo do que com Deus e, por causa do  povo,  quebrou os princípios de Deus, oferecendo sacrifício que só o sacerdote podia oferecer (I Sm 13:8-14), e em outra ocasião não destruiu tudo dos Amalequitas, porque o povo não quis  (I  Sm15).

Como precisa ser descoberto esse princípio! Quantos líderes, pastores, têm perdido Deus no trabalho de Deus! Fazem ministério para homens e não para Deus. São homens chamados por homens para servir homens. Os pastores são verdadeiros empresários religiosos, como diz Eugene  Peterson,  “Os  pastores prostituiram-se após outros deuses. Aquilo que fazem e alegam ser ministério pastoral não tem a menor relação com as atitudes dos pastores que fizeram a história nos últimos vinte  séculos”.2

Mas graças a Deus temos na vida de Davi o exemplo ou figura de Cristo (homem espiritual). Davi tinha Deus como princípio de tudo. O supremo propósito de sua vida era Deus e não o povo. É maravilhoso notar que no final Saul perdeu Deus e o povo, e Davi teve Deus e o povo.

Charles R. Swindoll faz uma citação de Spurgeon  sobre  o  Salmo  42, “Davi estava aflito. Tranquilidade ele não procurou. Honra ele não invejou, mas   o prazer de estar em comunhão com Deus era uma urgente necessidade de sua alma... Uma necessidade absoluta, tal como a água para uma corsa. A sua alma,  o seu próprio “eu”, a sua vida mais profunda encontrava-se em uma situação    de sede insaciável por sentir a presença de Deus... Que tenhamos o mais intenso anseio pelo que há de mais elevado.” 3

Mas como são diferentes aqueles a quem Deus chama! Deus os chama para Ele mesmo, para conhecê-Lo e servi-Lo, para ter um só propósito: fazer a vontade de Deus, e não a dos homens.

A igreja primitiva viveu esse princípio vertical. Ela vivia para Deus. No capítulo 2 de Atos, os versículos 42 a 47, nos falam da primeira comunidade cristã. Eles viviam em comunhão com o Pai e com os irmãos. Eles Viviam para Deus, tinham o princípio vertical como prioridade e, diz o texto, que enquanto viviam assim, o Senhor acrescentava dia-a-dia os que iam sendo salvos. No capítulo 13 de Atos, vemos a igreja de Antioquia onde havia muitos profetas e mestres, e todos serviam ao Senhor. Os apóstolos viveram e ensinaram essa prioridade de viver e fazer tudo para Deus em primeiro    lugar.

O apóstolo Paulo, nas suas cartas diz que foi chamado para Deus, para servir a Deus e não aos homens. Na carta aos efésios, capítulo primeiro, ele procura falar dessa prioridade vertical. Ensina aos irmãos de Éfeso que  eles foram chamados em CRISTO JESUS, para Deus. No versículo 12, diz, “Com o     fim de sermos para o louvor da glória de Deus”. Nesse mesmo capítulo, do versículo 16 ao 23, fez uma linda oração pela Igreja de Éfeso, para que eles tivessem a revelação do grande propósito do chamado em Cristo, para que pudessem compreender a soberana vocação, isto é, fomos chamado em primeiro lugar, para Deus. Que possamos nos arrepender de termos colocado outros objetivos em nossa vida que não seja o próprio Deus. O Pai fez tudo que podia e investiu o que de mais precioso tinha: Seu filho JESUS CRISTO,  para poder ter comunhão conosco e trazer-nos de volta para Ele. E nós muitas vezes, não O temos como o fim, mas como o meio de conseguir outras coisas. Muitas vezes, estamos buscando alegria, gozo, paz, prosperidade, saúde, etc., e não a Deus mesmo. Roy Hession define bem o supremo propósito da vida, ele    diz:

“Meu alvo é Deus somente, Não bênçãos ou poder, Nem gozo ou  paz, É Deus o anseio do meu ser!”4

Que o Espírito de revelação possa vir sobre nós para que possamos compreender a nossa soberana vocação, pois antes de sermos chamados para pastores, mestres, presbíteros, fomos chamados para Ele. Como a igreja de hoje necessita redescobrir este princípio, esta verdade! Deus sempre quis ter uma nação de sacerdotes, dos quais os sacerdotes do antigo testamento eram sombra e, como já vimos, o ofício sacerdotal era primeiro para Deus e depois para o povo. Primeiro adoração, depois o serviço. O nosso ministério para o povo está na razão direta do nosso ministério para  Deus.

Por esta razão o Espírito Santo colocou no capítulo primeiro de Levíticos,  o HOLOCAUSTO e não a oferta pelo pecado, pois holocausto fala  de  se consumir para a vontade de  Deus.

Essa foi a grande realidade na vida de Jesus. Ele primeiro foi holocausto para Deus. Quando estudamos a palavra de Deus e o cumprimento dessas ofertas, descobrimos o princípio vertical. A Bíblia diz que Jesus foi crucificado às nove horas da manhã. Será coincidência? Ou você pode ver que essa hora era simbólica para o judeu? Quando o sacerdote entrava no lugar santo para oferecer o sacrifício da manhã, era adoração que ele oferecia.

Ministrava para Deus. Das nove às doze horas, Jesus foi Holocausto na cruz. Não estava tratando com os nossos pecados naquela hora (isso Ele fez das doze às quinze horas) , mas primeiro estava se rendendo a Deus até a morte, e morte de cruz. Ele estava ali para satisfazer a vontade do pai. Estava se consumindo para Deus. Depois sim, das doze às quinze horas, diz a Bíblia, fez- se trevas. Jesus estava cumprindo a oferta pelo pecado, encarnando o pecado do mundo todo, estava perdendo a comunhão com o pai, algo cuja intensidade não podemos avaliar. Até o cosmo foi abalado, pois naquele momento Deus não podia estar em comunhão com Jesus, estando Ele feito pecado por nós.

A Bíblia diz que Jesus morreu às três horas da tarde. Você pode ver o cumprimento do ritualismo judaico? Pois nessa hora o sacerdote entrava intercedendo por nós. Ministério horizontal forte, porque tinha um ministério vertical forte.

Ele sabia que o grande desejo do Pai era ter comunhão. Vivia em comunhão com Ele e sujeitou-se a perder a comunhão por um tempo, para que agora pudéssemos ter comunhão com o Pai. Este é o grande desejo do Pai: Ter comunhão com Seus filhos. Como tem faltado, hoje, homens com essa visão e com esse desejo de ter comunhão e conhecer a Deus! Sempre existiram, na história da igreja, homens que tiveram esse desejo.

Nas biografias de homens de Deus como Agostinho, São João da Cruz, Lutero, Spurgeon, Tozzer..., notamos que eram  dominados  pelo  supremo  desejo de ter comunhão com o Pai. Quando cantamos hinos como “Mais perto quero estar meu Deus de Ti, ainda que seja a dor que me una a Ti”, podemos perceber a importância do relacionamento vertical, de conhecer, amar, e andar com Deus.

Creio estar chegando a hora do ministério do corpo. Não apenas homens isolados, mas o corpo de Cristo ser manifesto a esta Terra como nunca foi. Mas, primeiramente este corpo terá que descobrir essa verdade prioritária, de que tudo que se faz, primeiro é para Deus. Agora é a vez do corpo desejar  Deus acima de tudo. Procurar amar a Deus sobre todas as  coisas,  inclusive  as próprias coisas de Deus. Em Romanos 8, lemos que até a natureza geme e aguarda a manifestação dos filhos de Deus, sabendo que a sua redenção depende dessa manifestação.

Esta consagração total, é na realidade uma batalha que travamos conosco continuamente. Creio que ninguém poderia expressar melhor essa luta do que Santo Agostinho quando disse: “Quando pensava em me consagrar por inteiro  ao Teu serviço, Deus meu, era eu quem queria fazê-lo, e eu quem não queria fazê-lo. Era eu mesmo, e por que eu não te queria de todo, nem de todo não te queria, lutava comigo mesmo e me rasgava em  pedaços”.

 


1. REFORMA HOJE. - Cultura Cristã - pág.  183

2. O PASTOR SEGUNDO O CORAÇÃO DE DEUS, Eugene Peterson. Edições textus, pág. 01

3. INTIMIDADE COM O TODO PORDEROSO. Charles R. Swindoll., Mundo Cristão, pág. 22,

4. QUEREMOS VER A JESUS., Betânia, pág.  14,




 



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