ARTIGOS

12/01/2016
O Desconstrucionismo e a B�blia

 Paulo César Bornelli

 

Estamos vivendo um período de  grandes  transformações,  uma verdadeira revolução filosófica e cultural. Nossa sociedade está enferma, os padrões da ética, da moral estão se diluindo. Nossa cultura é uma cultura da corrupção, esta corrupção é generalizada e oficializada. Talvez o sinal mais evidente do declínio moral, seja o desaparecimento  da  “vergonha”. Antigamente quando uma pessoa tinha vergonha, ficava vermelha, hoje ela tem vergonha de ficar vermelha. O nosso conceito de certo e errado já não existe mais. Perdemos todos os referenciais, inclusive o Supremo Referencial Moral  que é Deus. Para a grande maioria, Deus hoje é uma energia   despersonalizada.

ÊNFASE NA AUTONOMIA HUMANA

Hoje nossos conceitos mudaram. Confundimos liberdade com individualismo. A tônica é a mesma do Éden, a autonomia humana.

Ervin S. Duggan, diz: “Em meio a esse caos, talvez a regra mais universalmente aceita seja que cada indivíduo tem o direito de formar suas próprias regras, e que os auto-engendrados padrões de uma pessoa são tão  bons quanto os de outra”.1 Naturalmente, os torcedores de uma autonomia pessoal tão radical, não admitem que ela produza anarquia ou caos, preferem termos tais como “liberdade” ou “pluralismo”! A falta de referenciais absolutos   e de verdades objetivas nos tem deixado à deriva.

Vivemos numa época de “anti-verdade”. Na Idade Média, entre os séculos V e XV, havia verdades absolutas. A Igreja era a voz suprema, a fé antecedia a razão e a máxima que prevalecia era a famosa citação de Anselmo: “Creio por isso entendo”. O símbolo desta época eram as grandes catedrais apontando para o Supremo Criador. Tudo girava em torno de Deus. É verdade que houve abuso de autoridade. A Igreja cometeu absurdos inaceitáveis, como as terríveis “guerras santas”. Tudo isto contribuiu para uma grande mudança filosófico-cultural, um verdadeiro parto.

A Idade Média deu à luz a modernidade, parece que a filha se revoltou contra a mãe, pois houve uma radical mudança de valores e conceitos e consequentemente de ética social. A modernidade, fruto do iluminismo francês, que por sua vez recebeu grande influência da Renascença Italiana, teve em Renê Descartes um de seus grandes expoentes, pois foi ele quem lançou as bases filosóficas da era moderna, sendo seu profeta maior, ao salientar a importância da dúvida, concluindo que a existência  do ser pensante é a primeira verdade  que não pode ser negada. Sua máxima foi: “Penso, logo  existo”.

Descartes definiu a natureza humana como uma substância pensante, e a pessoa humana como um Sujeito Racional  Autônomo.

Isaac Newton colaborou com a Modernidade pois para ele,  o  mundo físico poderia ser comparado a uma grande máquina cujas leis poderiam ser totalmente entendidas e dominadas pelo homem. O ser humano moderno passou a ser definido como “uma substância autônoma e racional de Descartes, habitando no mundo mecanicista de Newton”.2 Como resultado, toda cosmovisão foi alterada. O homem passou a ser o centro,  o  referencial  supremo. Todo conhecimento parte do próprio homem como um ser autônomo. A máxima de Sócrates, “conhece-te a ti mesmo”, prevaleceu no período da modernidade e comprova a crença de que a consciência humana é autônoma e, portanto, seu referencial suficiente.

Biblicamente falando Sócrates estava errado, nós não conhecemos a nós mesmos a não ser tendo Deus como referencial. Nem a Filosofia, nem a Psicologia podem nos levar ao conhecimento de nós mesmos. Deus é o referencial moral supremo do universo.

No período moderno, a razão humana tomou o lugar de Deus. Houve uma grande rejeição ao sobrenatural. O homem tornou-se o centro e o referencial supremo para todo conhecimento, seja sobre o universo ou sobre Deus. Como diz Gene Edward Verth Junior: “Os revolucionários exaltam os direitos do homem, repudiam o cristianismo como relíquia do passado. No decurso da revolução instalaram a Deusa Razão na catedral de Notre Dame”. 3

Um novo conceito do universo, de vida e de valores, surgiu com a modernidade, pois o iluminismo com seu racionalismo desafiou todos os conceitos cristãos que predominavam no mundo ocidental. Vários movimentos surgiram nesta época, como por exemplo: o Romantismo do século XIX, o marxismo e o fascismo do século XX. A modernidade trouxe consigo a revolução industrial, a descoberta da penicilina; parecia que tudo iria dar certo, e que o Paraíso, graças à inteligência humana, seria instalado aqui na Terra.

Mas este período foi marcado por duas guerras mundiais, por grandes epidemias que dizimou grande parte da Europa, por muitas guerras frias e, na realidade, o sonho acabou em um tremendo pesadelo.

SURGIMENTO DE UMA NOVA COSMOVISÃO

Hoje, em pleno século XXI surge uma nova cosmovisão. Por mais estranho que pareça, a modernidade ficou velha. Todos os grandes ideais que prevaleceram na Modernidade, principalmente o racionalismo, tornaram-se irrelevantes. Agora, já não é nem a fé que prevalecia na Idade Média, nem a razão da modernidade, mas esta nova era chamada pós-moderna eliminou todos os referenciais objetivos e absolutos. E, como que prestando um culto à autonomia humana, coloca como referencial supremo o subjetivismo radical, com o seu relativismo.

Para muitos, a pós-modernidade nada mais é do que uma nova versão da modernidade.  Na  modernidade  houve  um  ataque  frontal  contra  a verdade cristã, a FÉ não poderia mais ser o referencial para se conceber uma verdade. Para a modernidade, a verdade era algo racional. Agora, a pós-modernidade rejeita toda e qualquer noção de verdade absoluta, pois adotou um relativismo extremado que está conduzindo ao niilismo e a um subjetivismo   radical.

Os pós-modernistas afirmam que a verdade é uma questão cultural, cada povo tem a sua, e por isso estão em guerra contra toda verdade absoluta. Elaboraram um projeto para “desconstruir” todos os conceitos religiosos, filosóficos, políticos e culturais, ao qual dão o nome de “desconstrucionismo”. Poderíamos perguntar: Ao afirmarem que “não há verdade absoluta”, os pós- modernistas não estão se firmando sobre uma verdade absoluta?

Estamos vivendo um período de relativismo total, uma  verdadeira  cultura do caos. Estamos como uma nau sem rumo, os faróis se apagaram, estamos à deriva. Como cristãos, somos convocados a lutar pela verdade numa era de anti-verdade. Como diz R. Albert Mohler Junior, ao fazer uma citação de Blaise Pascal: “Tanto é crime perturbar a paz quando a verdade prevalece como preservar a paz quando a verdade é violada. Há portanto, um tempo em que a paz se justifica e o outro tempo quando ela não se justifica. Porque está escrito que há tempo para a paz e tempo para a guerra e é a lei da verdade que distingue os dois. Mas em nenhum momento há um tempo para a verdade e   um momento para o erro, pois está escrito que a verdade de Deus permanece para sempre. É por isso que Cristo disse  que veio trazer a paz e ao mesmo tempo a espada. Mas Ele não disse que veio trazer tanto a verdade como a falsidade”. 4

CONSEQUÊNCIAS DO PÓS- MODERNISMO

a)      Pluralismo intelectual - O pluralismo é uma conseqüência natural  onde não há verdade absoluta. Este conceito provocou um tremendo colapso no poder da razão que era o referencial supremo da modernidade. Dizem os pós-modernistas que a razão não é mais o referencial absoluto para servir de fundamento ao conhecimento universal, incluindo o referencial supremo do universo que  é  o  próprio Deus. Isto gerou um relativismo, pois onde não é aceito nada como um referencial absoluto, tudo passa, automaticamente, a ser relativo.

b)     Desconstrucionismo - Como o próprio nome indica, é um método de desconstrução de um texto e, também, da linguagem. É chamado de uma nova hermenêutica da suspeição. A finalidade é a desconstrução da linguagem, visto ser a linguagem uma prisão a cargo dos poderosos. Michael Foucalt, um dos maiores expoentes do Pós- Modernismo de sua época dizia que “A verdade do pré-modernismo e do modernismo sempre vem a favor dos poderosos”. 5 Dentro desta ótica do desconstrucionismo, a identidade e as intenções do autor de um texto são irrelevantes para a interpretação, pois todas as interpretações são igualmente válidas, ou destituídas de significado, dependendo do ponto de vista de quem analise.

 

Agora, não é o leitor que se submete ao texto, mas o texto é totalmente submisso ao leitor. Portanto, ninguém pode reivindicar exclusividade na interpretação, visto que a linguagem não pode expressar verdades objetivas a respeito do universo. Os pós-modernistas dizem que a linguagem dá forma ao que pensamos, portanto é uma criação cultural e o seu significado é uma construção social. Deste modo, podemos ver que os valores do pós-modernismo não são pessoais, mas sociais e culturais. Sendo assim, o verdadeiro significado de algumas palavras não faz nenhum sentido para outra cultura. A verdade fica restrita a uma questão cultural.

A HERMENÊUTICA DA SUSPEIÇÃO GERANDO O CAOS TEOLÓGICO

A primeira consequência do conceito pós-moderno da  nova  hermenêutica da suspeição é o caos teológico, pois se cada pessoa tem sua própria verdade, já que o texto não é absoluto, consequentemente cada pessoa tem a sua própria teologia e, como a teologia precede a ética, temos também um pluralismo ético-moral.

No pluralismo teológico pós-moderno há uma inversão, pois o elemento principal não é a Cristologia (doutrina da pessoa de Cristo) e sim a Soteriologia (doutrina da salvação). Os pós-modernos são universalistas, pois dizem  que  Deus é amor e, por isso, não excluem ninguém da salvação, inclusive os não cristãos. Dizem que a salvação está disponível em todas as culturas, e que Deus se revelou de várias formas e não somente em Jesus Cristo.

Para justificarem suas idéias, usam uma parábola sobre seis cegos e um elefante. Cada um desses homens cegos apalpou o elefante vindo a conceber uma idEia diferente dele. O primeiro cego, após analisar o lado musculoso do elefante, chegaria à conclusão de que ele era um muro, o segundo cego, após analisar as pernas grossas e roliças do elefante afirmaria parecer com uma coluna. O terceiro, após apalpar a tromba concluiria parecer com uma cobra. E, assim, cada um dos seis teria uma concepção diferente do mesmo elefante.

Portanto, na teologia pluralista dos pós-modernos, a salvação não fica na dependência total da pessoa de Cristo, pois Jesus Cristo é apenas  um  dos  muitos caminhos para a salvação. Para eles, todos as religiões do mundo possuem aspectos reveladores de Deus, como por exemplo o Budismo, o Islamismo, etc.

PLURALISMO ÉTICO-MORAL

Como a Teologia precede a ética, o pluralismo teológico resultou em um pluralismo ético. Os pós-modernistas possuem uma aversão aos padrões normativos de comportamento. Para R. Rorty “Não há nada bem profundo dentro de nós, a menos que nós mesmos o tenhamos colocado; não há nenhum critério que nós mesmos não tenhamos criado, no curso de formar uma prática; não há nenhum padrão de racionalidade que não seja um apelo a tal critério; não há nenhuma argumentação rigorosa que não seja a obediência às nossas próprias convenções.”6 Este conceito anula, totalmente, a verdade bíblica da depravação total.


A homossexualidade não é vista como uma aberração do comportamento moral, como um desvio de conduta ou mesmo como pecado. Dizem os pós- modernistas que as pessoas que não aceitam a homossexualidade como uma opção de vida são homofóbicos, isto é, têm aversão sexual pelo mesmo sexo e, isto sim, é um distúrbio ético-moral, um preconceito. Por isso, as aberrações sexuais têm sido estimuladas como uma aventura fascinante. A revolução sexual dos anos 60, gerou uma permissividade que tomou conta e nada mais passou a ser considerado imoral. A família, a fidelidade conjugal, a castidade, são alvos de ataques e piadas indecorosas. Os casamentos homossexuais têm hoje o abono e, em muitos países já foram oficializados, como exemplo a Holanda.

O aborto deixou de ser crime e passou a ser praticado e incentivado em muitos países. O conceito pós-moderno é que cada pessoa tem direito sobre o seu próprio corpo, e a verdade é uma questão limitada à pessoa, portanto uma mulher tem todo direito e toda a liberdade de decidir se quer ou não continuar uma gestação.

A QUEDA À LUZ DA HERMÊNEUTICA DA PÓS-MODERNIDADE

Deus é visto como um dominador, um tirano que necessita de súditos, e que através do poder das palavras criou conceitos na mente de Adão e Eva, os quais iriam aprisioná-los no poder da linguagem e impedir que eles fossem realmente livres e pensassem por si mesmos, impedindo-os de descobrir a sua autonomia, a sua verdadeira identidade e os seus potenciais.

Podemos dizer que Satanás aparece como o primeiro agente pós- moderno, e usando o desconstrucionismo levou o homem a fazer uma análise   da suspeição do que Deus havia falado. Satanás procurou tirar o poder da  palavra de Deus quando declarou: “É certo que não morrereis”. Satanás induziu  o homem a crer que se ele se libertasse do conceito que Deus havia colocado em sua mente e que o aprisionaria, ele seria verdadeiramente livre. A proposta satânica foi da autonomia humana, o homem poderia pensar por si mesmo, ao invés de ficar preso às palavras de Deus. Na realidade, Satanás com sua astúcia enganou Adão e Eva, pois através de suas palavras ele criou conceitos falsos, oferecendo ao homem a autonomia. Este foi o “grande engano” que Paulo fala aos Corintios: “Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se afaste  da simplicidade e pureza devidas a Cristo”. (2 Co   11:3).

Toda a batalha está a nível de nossas mentes. O primeiro pecado  começou na mente do homem. Satanás não pode fazer nada em nós sem primeiro ganhar nossa mente. Nossa mente é comparada as portas das cidades antigas, onde se travavam as grandes lutas; quem ganhasse as portas dominaria a cidade. Assim também é a nossa mente, Satanás tenta ganhá-la com falsos conceitos para nos fazer duvidar da Palavra de Deus. Esta  sempre  foi  a sua arma. No Éden foi assim, no deserto com Jesus durante quarenta dias e noites  foi assim, Jesus havia acabado de sair do batismo e recebido o testemunho do  Pai  através  do  Espírito  Santo:  “Este  é  o  meu  Filho  amado,  em  quem me comprazo”, e a primeira coisa que Satanás falou à Jesus foi “se tu és o Filho de Deus”, faça alguma coisa para provar isto.

Em 2 Coríntios 10:3-5, Paulo nos orienta com relação a esta batalha espiritual a nível de nossa mente. O texto diz: “Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas de nossa milícia não são carnais e sim poderosas em Deus, para destruir  fortalezas;  anulando  os  sofismas e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus,  e  levando cativo todo pensamento à obediência de  Cristo.”

A VOLTA ÀS DOUTRINAS BÁSICAS DA CRISTÃ E À VERDADEIRA ESPIRITUALIDADE

Dentro de um quadro tão confuso como este, que a pós-modernidade  está trazendo, aos cristãos verdadeiros  só cabe um caminho, que seria uma volta à inerrante Palavra de Deus. Ter a Bíblia como a revelação do Deus verdadeiro, que é o referencial moral supremo do universo. Permitir que o Espírito Santo use a palavra de Deus para formar conceitos de Deus sobre a  nossa cosmovisão. Sermos, no bom sentido da palavra, “prisioneiros”  da  Palavra de Deus, permitindo que ela nos cative e determine os nossos valores e prioridades. Devemos voltar às doutrinas básicas da fé cristã. Para muitos, hoje,  a doutrina é considerada coisa velha, ultrapassada, o que é importante é a experiência, dizem eles. Vivemos uma época de ausência de precisão  doutrinária. Os sermões não são mais expositivos, onde a Bíblia é ensinada ao povo. Na maioria das vezes os sermões são temáticos, e quase sempre o texto serve de pretexto para idéias humanas.

Há quase um século atrás J. C. Ryle, o grande bispo evangélico advertiu sobre desvios da verdade dizendo: “Temo uma doença interna que está crescendo e se espalhando em todas as Igrejas de Cristo através do mundo. Essa doença é uma disposição da parte dos ministros de se abster de toda doutrina que tenha arestas; uma aversão, por parte de crentes professos de todas as afirmações claras de verdades dogmáticas”. 7

Hoje, corremos o risco de vivermos uma “espiritualidade sem verdade”, como diz Edward Veith  Jr.  No seu  livro intitulado “Tempos  Pós-Modernos”,  cap. 11. Ele diz mais, que os modernistas se apoderaram das estruturas denominacionais da maioria das igrejas; incluindo os seminários, e que desde então vêm “desmitolizando” a Bíblia, estudando-a não mais como a Palavra de Deus, mas como qualquer documento antigo e retirando dela o sobrenatural.

Portanto, é hora de lutarmos pela verdade, como verdadeiros profetas. Devemos proclamar a Palavra de Deus em meio a uma cultura do caos, mesmo que isto nos custe a própria vida. A palavra de Deus  é  o fundamento sólido  onde devemos edificar nossa vida para suportar o vendaval do pós-  modernismo. O Senhor Jesus falou em Mateus 7:24-27 sobre os dois fundamentos: o verdadeiro, a rocha que é a Palavra de Deus, e o falso que é a areia, as ideologias e as filosofias deste mundo. Jesus afirma ainda que  o  homem sábio é o que edifica sobre a rocha. Que o Senhor nos conceda “espírito de sabedoria” nesta hora tão decisiva.


 


REFORMA HOJE, editora CULTURA CRISTÃ, p. 43.

2  STANLEY J. GRENS, PÓS MODERNISMO, edições VIDA NOVA, p. 106.

TEMPOS  PÓS-MODERNOS, editora CULTURA  CRISTÃ,  p.  21.

REFORMA  HOJE,  editora  CULTURA  CRISTÃ,  cap. 3

STANLEY J. GRENS, PÓS MODERNISMO, edições VIDA  NOVA.

STANLEY J. GRENS, PÓS MODERNISMO, edições VIDA  NOVA.

REFORMA HOJE,  editora CULTURA CRISTÃ,  cap.   3.




 



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